Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares.
(Manifesto do Surrealismo)
André Breton

De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)
Mia Couto

A tristeza que me perdoe,
Mas alegria é fundamental!
Para os que carecem de motivo em que se fie o que digo
Contar-lhes-ei um caso, de acaso preciso, há pouco vivido,
Foram tantos repiques que mais parecia terça de carnaval.
Lá, onde a luz se faz presente tive uma experiência surreal...
O salão era vidro colorido, areia pintada, de um gosto vivo
Cenário onírico pra noite que começou vagalumeada.
Eis que de repente, como que encantado, se movia...
À sua volta, os tons de escuro, rápido, se desfaziam
A claridade era menina que não se acabrunhava.
Parecia que seu passo apenas, ao pouco chão, acenava
Proximidade necessária para sua existência neste mundo.
Trazia novos desejos, tantos compassos, prazeres confusos.
Porém, tudo me era oferecido com as mãos da calma.
Escandaloso mesmo só o cheiro por onde passava
De roupa bem lavada, o perfume: só sabão e água.
Combinando acolhida com a vontade de um abraço.
O convite, então, se fez assim... Calado, tácito...
E meus olhos insistiam em segui-lo de lado a lado
Não dançava, mas, com graça, enchia todo o salão
Interpretei a música que, por vezes, balbuciava
Como trilha sonora de sua aparição.
Fiquei assim, por toda a festa, parada,
Abreviando as falas...
Desnecessárias para tanta mágica.
Por um instante...
Cheguei a pensar que sonhava acordada.

(Quadro: Carnaval de Arlequim - Miró)